quarta-feira, 5 de março de 2014

Argos


Como um fruto maduro, suculento, o General Augustus Vitellius mordeu o globo ocular extirpado de um dos homens do exército inimigo, recém derrotado. Decidindo por não matar nenhum dos dez mil soldados, tampouco por fazer deles prisioneiros, mas cegando cada um deles, arrancando seus globos oculares de forma desleixada e pouco habilidosa, jogando após isso as órbitas ensanguentadas dentro dos sacos de pano, utilizado no transporte de alimentos para guerra. Ao final tinham sete sacos, vermelhos pelo sangue das órbitas, carregados para viagem de volta. Partiram para Roma deixando para trás milhares de soldados cegos errando a esmo em direção aos seus lares, aos quais, é claro, jamais encontrariam o caminho de volta.

Logo ao chegar na cidade o General Vitellius ordenou que fossem colocadas hastes ao redor de toda muralha e nelas fincadas os olhos, com as íris mirando o lado oposto a muralha, mostrando tanto o destino horrível a que seriam submetidos os inimigos do império quanto que não se podia escapar do olhar de Roma. Entretanto já no primeiro dia a maioria dos olhos foi devorada por abutres, enquanto os restantes em poucos dias caíram sobre a terra apodrecidos, cobertos de “lágrimas” purulentas e fétidas. Acabou que em 3 dias os romanos tiveram que recolher os restos de milhares de órbitas oculares atirando-as em um recém cavado fosso, não muito largo, mas fundo o bastante para não se sentir o fedor de olhos podres. Junto dos olhos foram atiradas no fosso todas as hastes de madeira que também fediam de forma horrenda, desumana.

Na noite anterior ao selamento do fosso o General Augustus Vitellius, bêbado devido as festas que ocorriam todas noites comemorando a vitória, aproximou-se do fosso das lágrimas pútridas e escarrou em seu interior com desdém. Deu mais um passo para tentar vislumbrar sua obra, porém no mesmo instante uma haste fétida caída próxima ao fosso fincou em sua sandália com uma das pontas e na terra com a outra, fazendo-o perder o equilíbrio em seu andar de bêbado e mergulhar na putridão, onde se debateria, gorgolejaria desesperado com os restos pútridos tentando pedir ajuda e morreria com os olhos abertos de pavor, tragado pelas mãos de dez mil mortos para dentro das águas do Styx.

No dia seguinte o fosso seria lacrado sem que se encontrasse nada diferente em seu interior. Apenas a sandália romana, de algum bêbado que provavelmente se perdeu na noite passada, presa próxima da borda. Os cidadãos jamais viram o General Augustus Vitellius novamente, porém jamais o deram como morto, especularam que deveria estar empenhado por alguma campanha armada em nome de Roma, onde realizaria façanhas grandiosas das quais nenhum outro seria capaz.

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